A grande estratégia chinesa: resultados da Cúpula China-Ásia Central e o reordenamento eurasiático

Nos dias 18 e 19 de maio ocorreu a Cúpula China-Ásia Central em Xian, evento que contou com a presença de Cazaquistão, Quirguistão, Turcomenistão, Tajiquistão e Uzbequistão. A reunião, que se deu praticamente em paralelo à do grupo G7 em Hiroshima, sinaliza a consolidação da grande estratégia chinesa para o plano regional e para a própria Eurásia.

Em seu discurso inaugural da cúpula, intitulado “Trabalhando Juntos para uma Comunidade Sino-Centro-Asiática de Futuro Compartilhado”, o presidente chinês Xi Jinping fez menção a Xian como o ponto de partida da antiga Rota da Seda, estabelecendo as primeiras conexões de amizade e intercâmbio entre a China e a Ásia Central.

Xi fez questão de lembrar a contribuição histórica da Rota da Seda para a interação, enriquecimento e desenvolvimento das civilizações asiáticas, no que pode ser considerado como a época inicial de um incipiente processo de globalização sob a liderança chinesa. Hoje, a China vem retomando justamente esse grandioso projeto de integração econômica regional por meio da Nova Rota da Seda (ou projeto Cinturão e Rota) lançado por Xi Jinping em 2013, que visa escoar de forma mais eficiente a produção chinesa para o Ocidente atravessando justamente os países da Ásia Central.

Conforme lembrou o mandatário chinês, a Ásia Central possui as bases, as condições e a capacidade para se tornar um importante centro de conectividade na Eurásia, fomentando a interação entre diferentes civilizações e promovendo o estabelecimento de laços comerciais abrangentes. Logo, como parte essencial do trajeto terrestre dessa Nova Roda da Seda capitaneada pela China, os Estados centro-asiáticos veem-se como partícipes de um projeto que engloba mais de 50% do PIB mundial e 70% de sua população, o que lhes trará benefícios econômicos visíveis.

Compete lembrar ainda que, no plano comercial, desde meados dos anos 2000 os Estados da Ásia Central têm procurado estabelecer relações econômicas mais próximas com a China no intuito de diversificar o destino de suas exportações, sobretudo pautadas pelo comércio de commodities. Não por acaso, em 2019 a China era o destino de cerca de um quarto das exportações totais de petróleo e de gás natural da Ásia Central.

Diante desse contexto, a China se comprometeu durante a cúpula em aumentar o volume de transporte transfronteiriço, apoiando o desenvolvimento do corredor terrestre do Transcáspio e ampliando a capacidade de tráfego das rodovias China-Quirguistão-Uzbequistão e China-Tajiquistão-Uzbequistão. Não obstante, Xi Jinping prometeu adotar maiores medidas para a facilitação do comércio bilateral, atualizando tratados de investimento e simplificando o desembaraço aduaneiro de produtos agrícolas da Ásia Central em todos os postos fronteiriços com a China.

No plano político, por sua vez, enquanto os Estados Unidos (e seus parceiros ocidentais) tentaram fomentar movimentos e grupos de oposição aos governos locais durante os anos 2000, a China (assim como a Rússia) tem atuado como um importante garante da estabilidade regional. No limite, essa atuação chinesa visa consolidar a Ásia Central – e a Eurásia num plano mais amplo – como um ator independente e capaz de suprimir a influência extrarregional de Estados Unidos e União Europeia em seus assuntos internos.

Com isto, outro dos resultados da Cúpula China-Ásia Central trata-se do fortalecimento da posição chinesa frente aos governos locais, baseada na manutenção da estabilidade política no continente. Não surpreende, portanto, que Xi Jinping tenha lembrado a localização estratégica da Ásia Central na Eurásia e a importância de defesa de sua segurança e integridade territorial dos Estados que a compõem. Trata-se de uma declaração importante, que objetiva opor-se às tentativas de interferência externa nos assuntos domésticos desses Estados, como é o caso das chamadas Revoluções Coloridas patrocinadas pelo Ocidente ao longo dos anos 2000.

Ainda no plano político, compete assinalar que Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão também fazem parte da Organização de Cooperação de Xangai (SCO na sigla em inglês), fundada em 2001 sob a liderança chinesa e que conta ainda com as participações de Rússia, Paquistão e Índia (que se juntaram ao grupo em 2017). Por meio dessa organização, a China procura reforçar a confiança mútua, a amizade e a boa vizinhança para com os Estados da Ásia Central, promovendo uma cooperação eficaz entre eles nos campos político, comercial, econômico, científico, técnico, cultural e educacional, entre outros.

Não por acaso, todas essas iniciativas fizeram da China a principal proponente do fortalecimento da paz e da segurança regionais, ao mesmo tempo em que ajuda os países da Ásia Central a combaterem os males do terrorismo internacional, do separatismo e do extremismo religioso em todas as suas manifestações.

Nesse contexto, aliás, a Rússia também vem desempenhando papel importante. Dado seu poderio militar, Moscou também tem assumido a posição de garantidor da estabilidade e da segurança dos governos centro-asiáticos por meio da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, enquanto Pequim se concentra em investimentos econômicos voltados para o desenvolvimento desses países.

Por conta disso, Rússia e China detêm grandes esperanças na intensificação de sua colaboração e de sua liderança conjunta no espaço eurasiático. Em comum, tanto Moscou como Pequim entendem ser necessário aprofundar sua cooperação política com a Ásia Central como um elemento essencial de uma ordem mundial multipolar mais justa e como uma alternativa ao modelo ocidental de desenvolvimento.

Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma verdadeira reestruturação estratégica no continente eurasiático, capaz de limitar a influência indesejada de atores externos à região.

Por fim, cabe destacar que Xi Jinping terminou sua declaração na cúpula fazendo menção a um provérbio popular sobre os frutos advindos do trabalho duro. Nessa mesma linha, é possível inferir que a grande estratégia chinesa também já está gerando seus frutos, na forma da consolidação da Eurásia nas relações internacionais.