Austrália: crise dos submarinos revela tensão crescente com China

Governo australiano, que apoia Taiwan, teme que projeto da 'Nova Rota da Seda' aumente influência chinesa no país

A decisão anunciada pelo governo australiano na última terça-feira (14), de abandonar seu seu acordo, selado em 2016, com o Grupo Naval da França para construir uma frota de submarinos convencionais trouxe visibilidade, para o Ocidente, a uma tensão entre China e Austrália, que tem crescido nos últimos anos.

O governo australiano anunciou um novo pacto, com Estados Unidos e Reino Unido, para transferência de tecnologia para a construção de oito submarinos com propulsão nuclear, considerados mais potentes e modernos.

Segundo especialistas, os submarinos, mais precisos e silenciosos, têm condições de patrulhar áreas do Mar da China Meridional com menor risco de detecção.

A decisão enfureceu o governo francês, mas, em termos estratégicos. O presidente Emmanuel Macron, buscando não enfraquecer o poderio francês, convocou os embaixadores dos Estados Unidos e da Austrália, para esclarecimento, mesmo sendo os dois países aliados da França.

O governo francês, no entanto, não tem muito mais o que fazer, além desta tentativa de se impor diplomaticamente, justamente porque, neste imbróglio, tem seus interesses totalmente vinculados aos dos Estados Unidos e Otan, diante do que é visto como uma ameaça chinesa.

Uma ameaça que tem incomodado o governo australiano, justamente porque o país, na Oceania e aliado dos Estados Unidos, se situa em uma região na qual a China está ampliando sua influência, dentro do projeto “Nova rota da seda”, anunciado em 2013 pelo presidente chinês, Xi Jinping e incorporado à Constituição chinesa em 2017.

Porto de Darwin

O objetivo do projeto é fortalecer o vínculo com a Ásia, Europa, África e outras áreas, por meio de obras de infraestrutura, como a construção de portos, ferrovias, aeroportos e centros industriais.

O temor da Austrália é de uma crescente influência do poder econômico e, por conseguinte, do governo chinês dentro de seu território. Isso, aliás, já tem ocorrido.

Desde 2015, o porto de Darwin, localizado no Território do Norte e estratégico, por causa de sua proximidade com a Ásia e por se situar em uma região rica em minérios. O porto está sob controle da estatal chinesa Landbridge, em forma de arrendamento por 99 anos.

Além disso, a Austrália se mantém aliada de Taiwan, apesar de não manterem relações formais, no objetivo da ilha de se firmar como país independente da China.

Para a Austrália, ter os submarinos com propulsão nuclear, produzidos pelos Estados Unidos e Reino Unido, daria mais segurança defensiva, em relação aos interesses chineses, dentro das disputas territoriais no mar da China Meridional.

Além de Taiwan, elas englobam disputas, entre países como Brunei, República Popular da China, Taiwan (República da China, fora da ONU desde 1971), Filipinas, Japão, Vietnã e Malásia.

Os territórios disputados são, entre outros, as Ilhas Spratly e Ilhas Paracel e regiões próximas do mar, como Golfo de Tonkin.

Tais disputas ameaçariam a Austrália, que ainda tem a China como maior parceiro econômico, do ponto de vista territorial e comercial.

A China admite ter interesses nestas regiões e afirma que, mais cedo ou mais tarde, irá recuperar o poder sobre Taiwan, considerada pelo governo chinês como parte indivisível da China.

“A China deve ser e será reunificada. Estamos prontos para fazer o nosso melhor para lutar pela perspectiva de uma reunificação pacífica, mas nunca deixaremos nenhum espaço para qualquer forma de atividades separatistas de ‘independência de Taiwan’ “, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, em abril último.

Pandemia e direitos humanos

As tensões entre China e Austrália aumentaram desde 2018. O governo australiano, do primeiro-ministro Scott Morrison, passou a questionar Pequim sobre as acusações de desrespeito aos direitos humanos contra opositores.

No ano passado, a pandemia também serviu para distanciar ambos os países. Canberra e Pequim congelaram relações quando o governo de Morrison pediu investigação sobre as origens da covid-19, irritando o governo chinês e afetando os laços comerciais entre os países.

Desde então, a China tem dificultado as exportações para a Austrália, de produtos como carvão, trigo e vinho.

Em pesquisa recente feita pelo Australia Institute, 42% dos entrevistados na Austrália acreditam que, em algum momento, a China irá atacar a Austrália, conforme informou artigo do The Guardian.

O jornal revelou que Allan Behm, chefe do programa de assuntos internacionais e de segurança do Australia Institute, garantiu que “não há dúvida de que as ações recentes da China e a retórica anti-China na Austrália geraram medo e insegurança na comunidade australiana”.

O acordo com os Estados Unidos e com o Reino Unido, neste sentido, também se encaixa aos objetivos do governo australiano de recuperar a popularidade, em meio a uma crise econômica potencializada pela pandemia.

No ano passado, o governo australiano elevou a proposta de déficit público no orçamento do ano fiscal seguinte, para 213,7 bilhões de dólares australianos (151,8 bilhões de dólares na ocasião), com o objetivo de expandir gastos, entre outros em programas sociais, para estimular a recuperação econômica do país.

Diante da crise, a compra de modernos submarinos também é uma forma de propaganda do governo australiano. Um discurso belicista é uma grande arma para a imagem de um governo, ao longo do tempo. Neste sentido, a insatisfação da França, acabou sendo, para a Austrália, o menor dos prejuízos.

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