Brasil é o país da América Latina com maior margem para a desdolarização comercial, diz especialista

Em fevereiro e março de 2023, o yuan se posicionou como a moeda mais negociada na Rússia, superando o dólar em volume de transações mensais, segundo a agência Bloomberg. O que essa tendência significa em termos econômicos globais?

(Foto: Sputnik / Alexander Yuriev)

O fortalecimento da moeda chinesa acontece principalmente em decorrência das sanções econômicas impostas pelo Ocidente à Rússia, movimento que não tem dado certo para os Estados Unidos, já que sua moeda, o dólar, vem sendo gradativamente deslocada, apontam especialistas.

Segundo o fundador e CEO da Sputnik Capital Management, o economista Aleksandr Losev, o yuan chinês está se tornando a principal moeda das empresas russas, já que o dólar norte-americano, o euro e as moedas dos países do G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) se tornaram tóxicos para pessoas físicas e jurídicas russas.

“Isso se deve a sanções antirrussas, bloqueio de contas, fechamento de contas bancárias correspondentes, desconexão do sistema SWIFT e limitação de pagamentos”, disse Losev.

O economista mexicano e doutor da Universidade de Manchester, Moritz Cruz, em entrevista à Sputnik afirmou que o uso do yuan e do rublo nas transações comerciais realizadas pela Rússia compensa quebrar a dependência dessa e de outras economias com relação ao dólar.

“É o início de algo que já parece inevitável, que é o deslocamento do dólar como principal moeda de troca em nível global”, disse o especialista, que indicou que o Ocidente fez um cálculo ruim em relação a Moscou, já que a economia do país eurasiano não foi afetada nos níveis que Washington e seus aliados anteciparam.

Apesar de o yuan ter ganhado força como moeda de troca comercial, o fundador do BRICS+ Analytics, Yaroslav Lisovolik, indicou que a atratividade da moeda chinesa é maior do que os retornos que podem ser vistos na linha de investimentos e ativos em dólares e euros, e afirmou que, para que essas perspectivas do yuan como moeda de investimento se fortaleçam no mercado russo, é importante expandir a lista de instrumentos financeiros disponíveis para os investidores russos em yuan.

Economizar em yuan?

Segundo Lisovolik, a moeda chinesa tem alto potencial para substituir as moedas ocidentais como um instrumento-chave de poupança, justamente do ponto de vista dos ativos externos.

“Nos últimos seis meses, o yuan se valorizou significativamente em relação ao dólar. E, ao mesmo tempo, também deve ser observado que, do ponto de vista de um instrumento como a poupança do yuan, o fator de estabilidade macroeconômica em geral, a estabilidade econômica da economia chinesa, é importante. E aqui devemos falar sobre o que vemos junto com o fato de que não há volatilidade excessiva na taxa de câmbio do yuan”, explicou.

No entanto, para Losev, converter os ganhos em moeda estrangeira corporativa e as economias dos cidadãos em yuan chinês não torna o yuan uma moeda de investimento por dois motivos. O primeiro é que os russos ainda têm acesso a um conjunto extremamente escasso de instrumentos financeiros para receber renda de investimentos em yuan, uma vez que não há acesso total ao mercado de capitais chinês e não se espera que isso aconteça em um futuro próximo. O segundo, é que as taxas de juros são extremamente baixas em yuan.

“Infelizmente, ainda não é possível contar totalmente com o yuan como substituto completo do dólar, pois a economia chinesa, como qualquer outra economia do mundo, pode sofrer com desequilíbrios e saídas de capital”, acrescentou.

E na América Latina?

Segundo o economista mexicano, o processo de desdolarização, que já é uma realidade na Rússia e na China, pode atingir também a América Latina. No entanto, ele indicou que isso será muito mais gradual.

“Será [um processo] muito mais lento devido aos compromissos que a Argentina ainda tem, por exemplo, com a moeda americana devido à sua dívida com o Fundo Monetário Internacional [FMI] […] nessa transição para quebrar essa dependência, eles ainda têm muitas restrições devido à forma como vêm conformando seus padrões comerciais”, disse Moritz Cruz.

O governo brasileiro anunciou recentemente um acordo com seu homólogo chinês para realizar transações em yuan e real, as moedas da China e do Brasil, respectivamente, em um novo golpe para a hegemonia comercial dos EUA.

A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) foi a responsável por fazer o anúncio, especificando em nota divulgada no dia 29 de março que os dois países firmaram o estabelecimento do comércio bilateral em moedas locais.

Nesse sentido, o economista latino-americano avaliou que o Brasil é justamente o país da região que tem maior margem para a desdolarização.

“Acredito que o Brasil tem mais possibilidades e porque eles têm mais liberdade financeira até certo ponto, e porque o comércio deles é mais diversificado com o cone sul e com outros países, é menos com os Estados Unidos; isso permite ter essa liberdade”, enfatizou.

Da mesma forma, o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) avança na criação de uma nova moeda para substituir o dólar americano, segundo o vice-presidente da Câmara dos Deputados da Rússia, Aleksandr Babakov.